Total de visualizações de página

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

NATAL E GALINHAS CARANGUEJO

                                    


Do final do ano de setenta e dois  lembro que todos usavam calças jeans azuis, camisas brancas  com o nome Educandário Dom Duarte estampado em relevo  azul claro e tênis conga, tudo entregue dias antes para a festa, todos estavam no clima se sentindo lordes afortunados, o presépio estava pronto e enfeitava o salão principal com serragem, barro, terra branca que tinha a textura de talco, grama, pedras, e galhetos que nos remetia a realidade do cotidiano, as figuras das pequenas estatuetas eram conhecidas das histórias bíblicas marteladas nas missas, essa tradição de se fazer presépios foi repetida ao longo dos anos. Todo o EDD reunido no velho teatro, os irmãos diretores, chefes dos lares, alguns funcionários e convidados, apresentações artísticas dos alunos e a presença das senhoras da liga católica. De volta ao pavilhão foram distribuídos os presentes, os melhores pra quem passou e inferiores pra quem teria que repetir o ano letivo e vieram das mãos de algumas senhoras da liga que surpreenderam o agora desconfiado sem graça amável santinho feitor numa visita repentina bem na hora do almoço, é que para não sujar de barro o refeitório o rango foi devorado fora, ao relento de um dia nublado, pra sorte do desgraçado e nossa não garoou na hora. Alegria e comida diferenciada, galinha bem assada traçada com as mãos, diferente dos pés e pescoços cozidos servidos durante o ano. Alguns ainda tiveram o premio de disputar um desejo nas titelas lavadas com a boca sem mordiscar as pontas apesar do desejo e secas ao mormaço do meio dia. A ceia no almoço foi tão boa que tivemos que lavar cada um a sua camisa e calça recém-inauguradas de impressões digitais deliciosas e gordurosas, sobe gritos e berros de porcos imundos, e levou tempo, muito tempo pra eu deixar de triturar ossos de galinha sugando até o fim a ultima porção do deleite feito os caranguejos que nunca saciam e se tem cada vez mais,vontade de comer. 

















fotos Carlos Lourenço pav.22, google imagens                                                                                                   

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A MACULAÇÃO DO PARAÍSO E OS BANDEIRANTES CANGACEIROS

       BANDEIRANTES OU CANGACEIROS NAS TERRAS DO QUILOMBO

Na volta das férias pouca coisa mudara, a parte de traz do pavilhão, estava agora coberta com telhas de amianto, o frio ia diminuindo aos poucos e o trabalho recomeçando, de novo nos pés da amoreira, que agora estava praticamente sem folhas, cheias de casulos que em breve anunciariam a primavera colorindo de borboletas, pássaros e flores os campos. Sendo praticamente os mesmos, já se sabia quem era quem, se confiável, se cagueta, se fraco, se raçudo, com isso as amizades se fortaleciam. Os fins de semanas sem passeio ou visitas eram de muito futebol no nosso campinho e intensas brincadeiras. Os seriados de TV e principalmente os filmes na telona sábado à noite serviam de inspiração para o lazer, eram criados brinquedos e armas improvisadas com tudo que se apresentasse. No barranco atrás da trave do lado esquerdo do campo havia uma mini cidade, casas, caminhos, prédios tudo escavado no barro e com cacos de vidro servindo de vitrine num zoológico de bichos e insetos, da mata, cabanas, com direito a rede do resto de tapetes, armadilhas com cipós, arapucas, lanças, arcos e flechas, tendo como alvo as bananeiras. As brincadeiras preferidas e que geralmente envolviam quase todos e de alguma forma fortaleciam ainda mais as amizades eram de guerra, policia e ladrão e bate lata, todas eram  motivo pra se desvendar a mata.  No bate lata jogava-se uma pra cima e todos corriam pra mata e arredores pra se esconder, um ficava e tinha que achar os demais, se alguém chegasse ao meio do campo salvava os pegos. Quem batia a lata passava a impressão de que todos estavam por perto iludindo o feitor. Era a hora de se embrenhar na mata e em pequenos grupos sair do EDD quase que foragidos, poderíamos ser confundidos com um bando de guerrilheiros até cangaceiros se a idade da tropa fosse maior e as imitações de revolver, metralhadoras, pistolas, espadas, facas e outras armas fossem convincentes, de longe até enganava, de verdade só algum canivete ou faca improvisada, tudo escondido a sete chaves e que poucos possuíam, era um dos sonhos de consumo, possuir um canivete multi uso ou uma faca boa. Toda á mata e arredores foi visitada por nós, no inicio íamos só até a bica que ficava um pouco abaixo do cenáculo onde corríamos pelos ainda poucos morros de barro vermelho, por lá só uma rua com cerca de 12 casas e outras nos arredores, só ela e a rodovia, passarela de Marcopolos modernos lembrava a civilização era quase um quilombo, os moradores sempre se assustavam mesmo com a nossa passagem ao longe, creio que apesar da barreira que a mata fazia todos sabiam da existência do EDD e com as deturpadas informações sobre nós, tidos como maus elementos e menores infratores sempre causava apreensão. Chegamos a cruzar a rodovia e em linha reta alguns quilômetros á frente, chegar á um asilo de padres e freiras perto de um templo com uma grande imagem de Buda estranha ao lugar e quatro vezes maior que um ser humano, na volta entramos numa propriedade pra comer frutas sendo escorraçados pela confusão que fizeram marrecos e gansos. Pelos caminhos era comum encontrar os Lobinhos, grupo de escoteiros uniformizados, com tudo que gostaríamos de ter, barracas, mochilas, bussolas mesmo que a gente não precisasse, facas, lanternas, cantis, botas e até umas meninas, chegava a dar inveja o material que tinham. O fato de terem um líder adulto, uniformes e o cair do sol exigia o fim da jornada, sabíamos das punições que o desbravante passeio poderia causar e ao avista-los saiamos pela tangente. Comum também era a quantidade de despachos encontrados, a doutrina católica vigente e as estórias do carrasco enchiam de preconceitos e assombros tudo que se referia á umbanda, por isso algumas imagens encontradas me causavam medo. Queixinho ganhou a fama de azarado por ser um dos poucos que mexia nas oferendas. Sem o respeito merecido e sem medo, se o despacho fosse novo provava da comida, e chegou até a beber uns goles da bebida que estando quente não agradou. Uma vez tirou um pequeno punhal, troféu pra ele, ambição de alguns e amaldiçoado por muitos, não tive coragem de toca-lo e não lembro se foi roubado ou tomado acho que voltou pra mata.
Nas incursões rumo á água do Taboão duas dores naquela tarde garoenta, na cabeça do alto, inicio da descida rumo á bica víamos às dezenas, os montes de toras de eucalipto empilhados, retalhados no mesmo tamanho, a cena remetia á Daniel Boone, descobrimos que ali era uma das fronteiras não existentes aos olhos. Dor, a mata desvirginada maculava o paraíso.

Misturadas, garoa e terra desnuda presenteavam os congas, kichutes e havaianas com sapatos de neve de barro, foi com eles que chegamos á aldeota de uma rua só, subimos pelo meio da rua, em silencio, sem alarde, quase sem detalhar as casas. Éramos uns dez curumins sem rumo certo num domingo á tarde, Japonês, Queixinho, Dentinho, Lima, Cardoso, Chipo, Neguinho do 14, acho que o Gordo, outros que não me lembro e nosso cachorro Dick, fiel confidente e companheiro de muitas jornadas. O alarde era o próprio passar da tropa, assim o inesperado desfile fez os curiosos e temerosos moradores saírem ás janelas, íamos sem encarar as pessoas, a tamanha timidez da tropa impediria qualquer contato, não o dos olhos que em minúsculas frações de segundos ao encontrar outros declaram infinitas emoções. Só as moças não despejaram o incriminante apontador olhar da discrimação, deve ter sido isso, os olhares que trouxeram a zanga ao grupo de rapazes nativos, mesmo sem gracejos, palavras e gestos sou  capaz de jurar. Passamos na direção oposta á bica e os morros vermelhos agora em maior numero recortados e redesenhados pelos tratores foram o palco da primitiva batalha sem luta. Embarrerando uma rota de fuga os nativos agora empunhando estacas, facas e facões do outro morro gesticulavam suas intenções. Nós com armas de brinquedo buscávamos a outra rota, a merda é que alguém respondeu com gritos e levantou epicamente a falsa arma, foi a declaração de guerra que faltava. O que fez nosso grupo voltar foi a lembrança de punição ao não permitido passeio e os nativos que se avolumavam, já eram por volta de quatro pra um. Graças à condição física militar adquirida furamos o bloqueio correndo ligeiro por outro morro cheio de poças d’água, ao pé da mata deflorada começamos a subir enlameados mais a alma que o corpo. Queixinho vinha na frente com Dick e se desgarrou do grupo, se prosseguisse pelo caminho do cenáculo estaria salvo, numa manobra errada tentou voltar á formação, foi quando o pegaram, á uns quarenta metros distantes e uns trinta de altura, faltava fôlego e força pra conseguirem nos acertar com pedradas. Estando no alto e municiados de toras caberia revide só que Caolho na fictícia condição de tenente do grupo sendo o mais velho, desfez a apavorada tropa do resgate, foi covarde e vergonhoso vê-lo nas mãos do agora inimigo declarado, apanhando, cercado de facas e nada fazer, por Deus não aconteceu o pior. No voltar o adiantado da tarde e a lama nos corpos nos rendeu broncas e enxadas até a chegada sem demora dos nativos com Queixinho amarrado, denunciando o algo a mais, deu pra ver de perto as facas nas cinturas e que o líder deles era um mentiroso homem feito, na casa dos vinte e cinco. Descreveu  um rosário de inverdades sem direito a defesa pela fuga, mas confessou sem querer, nossa fama assustava. 
O sermão de Seu Bento doeu mais que qualquer castigo aplicado, na vergonha a lição aprendida e a covardia me reduziu á  dois Lázaros o insano covarde e o bíblico ressuscitado. 

























fotos google




sábado, 29 de novembro de 2014

EM PAZ COLHENDO OS PÊSSEGOS DA PENSÃO


31 DE OUTUBRO DE 1936, ESSA TALVEZ SEJA A PRIMEIRA REFERENCIA AOS PRIMEIROS MORADORES DA NOVA MACONDO URBANIZADA, MUITO SE FALAVA DA CIDADE DOS MENORES E HOUVE REALMENTE GRANDE MOBILIZAÇÃO NO MEIO DA ELITE PAULISTA, JORNAIS SEMPRE NOTICIAVAM A IMPORTÂNCIA DA OBRA E A LUTA ATRÁS DE RECURSOS, FOI MUITO CHÁ, CHÁ DE CADEIRA  CIDREIRA E TAMBÉM CAMOMILA PRA MANTER A CALMA ATÉ REBENTAR A BOLSA. PRA ALGUMAS SENHORAS DA LIGA FOI COMO GERAR UM FILHO DAR VIDA Á TÃO GRANDIOSA OBRA. 
COM QUANTIAS DETALHADAS LISTAS ERAM DIVULGADAS COM  OS NOMES DE DOADORES OU FAMÍLIAS E TODO ATO EM PROL ERA ALARDEADO, MAS NUNCA SE FALAVA DESSES MENORES QUE APARENTEMENTE ERAM SOMENTE NÚMEROS, PARECIA SER MODA DOAR, OSTENTAR E NOTICIAR PRA APARECER BEM NA FOTO (TALVEZ COISAS DOS JORNAIS DA ÉPOCA) SALVO ALGUNS QUE PREFERIRAM ANONIMATO EM MEIO A TÃO NOBRE GESTO DE GENEROSIDADE NUM MAR DE VAIDADES . 
TUDO BEM, QUASE NADA MAS FALARAM, QUASE NADA... . ESSES 200 PRIMEIROS MORADORES FORAM OS PIONEIROS DO PROJETO E INAUGURARAM MAIS DE SETENTA ANOS DE UMA HISTÓRIA DE  RICAS HISTÓRIAS ONDE GLORIOSOS ANÔNIMOS,  TÃO GRANDIOSOS E NOBRES COMO OS DOADORES  QUE CONTINUAM ANÔNIMOS.
CARLOS ALBERTO QUE PREFERE NÃO MAIS CARREGAR O ANTIGO APELIDO DE GUERRA É UM DOS MAIS  QUERIDOS LEMBRADOS E ANTIGOS MORADORES  DA MACONDO PAULISTA DE QUE SE TEM NOTICIAS, PODERIA SER REMANESCENTE DOS PRIMEIROS MORADORES SE  TIVESSE NASCIDO ANTES DA  FUNDAÇÃO, SUA MELHOR OPÇÃO FOI FICAR E VARAR A HISTÓRIA  RESISTINDO  ÁS AGRURAS E DITADURAS DAS PRIMEIRAS DÉCADAS, VIU DE TUDO ALI É UM ARQUIVO VIVO DO LUGAR QUE O ACOLHEU. PENSO CREIO E PEÇO A DEUS QUE ESTEJA AGORA NUM QUARTO DA PENSÃO A SALVO DO FRIO E FOME COM UMA CAMA DESCENTE PRA DORMIR OU ATÉ MUITO MELHOR QUE ISSO, QUE ESTEJA BEM DE SAÚDE E EM PAZ COLHENDO OS PÊSSEGOS DA PENSÃO QUE APÓS DÉCADAS COM CERTEZA APURARAM AINDA MAIS A DOÇURA E MACIEZ. 
SR ALÍCIO, MESTRE DA MARCENARIA FOI NOSSO MENTOR, CONHECIA BEM O CARLOS ALBERTO QUE POR ESSA ÉPOCA  JÁ MORAVA NA PENSÃO, COMPREENDIA SUAS ATITUDES E PALAVRAS AS VEZES BODEJADAS COM A VOZ GRAVE, OUTRA PESSOA QUE O PEDISSE OU MANDASSE QUALQUER ORDEM TERIA QUE SABER FALAR PRA SER BEM ATENDIDO, TENHO BOAS RECORDAÇÕES DELE SEMPRE QUE PODIA AJUDAVA ESPONTANEAMENTE. ELE GOSTAVA DAS VEZES EM QUE MESMO SENDO CHAMADO ATENÇÃO OUVIA ELE DIZER MEU FILHO NÃO FAÇA ASSIM NÃO, TINHA MUITA PACIÊNCIA COM ELE, ERA O HOMEM BOM QUE ZELAVA POR ELE,  COMO TERÁ SIDO SUA VIDA NOS NOVOS TEMPOS???? VI ALGUMAS FOTOS DELE NA LIGA POR ISSO ME VEIO A LEMBRANÇA DELE AINDA ESTAR COLHENDO OS PÊSSEGOS DA PENSÃO.


























DAS HISTÓRIAS  DE VIDA VIVIDAS EXISTEM AQUELAS IMPREGNADAS NAS RETINAS ONDE ACABO ENCONTRANDO ALGUÉM QUE CONHEÇO SEM SABER QUEM É E QUEM SOU ACREDITO QUE DO FUNDO DE SEUS OLHOS ELES ME FALEM E ATÉ ME OUÇAM., 
fotos liga solidária e Cicero da Conceiçao

LEMBRANÇAS DE UM BRASIL A FORA

POR ANOS, MUITO DEPOIS DE TER SAÍDO DO EDD  AINDA ACREDITAVA QUE VIVENDO LÁ INTERNADO POR OITO ANOS SABIA ALGUMA COISA SOBRE AS PESSOAS QUE CONVIVERAM COMIGO E DA VERDADEIRA HISTÓRIA DO LUGAR, PROFUNDO ENGANO.. GUARDO COM CARINHO AS POUCAS LEMBRANÇAS FÍSICAS QUE SOBRARAM E FORAM ELAS COMBINADAS COM UM VELHO COMPUTADOR ULTRA PASSADO QUE ME INSTIGARAM A QUERER SABER MAIS SOBRE ESSAS LEMBRANÇAS. ACABEI ME ENCONTRANDO, ACHEI O ELO QUE ME FAZ SER ASSIM, TUDO QUE SEI É QUE NADA SEI E O POUCO QUE SEI NEM SEI SE SEI. NAS PESQUISAS QUE FAÇO EM JORNAIS, SITES, BLOGUES, YUO TUBE, ETC ENCONTREI INÚMERAS COISAS INTERESSANTES E CADA VEZ MAIS, MERGULHAR NESSA BUSCA SEM FIM. QUALQUER FRAGMENTO DE FOTO OU NOTíCÍA EU GUARDO E NESSAS PESQUISAS ENCONTREI DOIS VÍDEOS COM DEPOIMENTOS DE EX ALUNOS E FUNCIONÁRIOS, UM DO EDUCANDÁRIO DE BATATAIS OUTRO DO ABRIGO DE MENORES. DOIS LUGARES DE HISTÓRIAS E REALIDADES DIFERENTES QUE PRIMEIRO ME FEZ  LEMBRAR DO TERROR QUE TOCAVAM NA GENTE COM AMEAÇAS DE MANDAR PRA BATATAIS QUEM NÃO SE COMPORTASSE E VER QUE O BICHO NÃO ERA FEROZ, O PAVÃO NÃO ERA LINDO E MOSTRAVAM SÓ OS PÉS DO BICHO. SEGUNDO FOI MULTIPLICAR POR MILHÕES O CONCEITO QUE EU TINHA SOBRE A IMPORTÂNCIA DE ARQUIVAR QUALQUER FRAGMENTO DA HISTÓRIA POR MENOR QUE SEJA DA VIDA DE PESSOAS OU INSTITUIÇÕES. AGORA VEJO, SINTO E ENTENDO O SENTIMENTO DE QUEM ENCONTRA O QUE PERSEGUE E TAMBÉM OS MOTIVOS DE QUEM PROCURA.
EM SÍNTESE ME VI EM LUGARES QUE NUNCA ESTIVE MAS APAREÇO NAS IMAGENS. NOS VÍDEOS  MUDAM SE OS NOMES, PESSOAS, ANOS E  LUGARES QUE DE CERTA FORMA SE FUNDEM, É  O ALGO COMUM  DESCONHECIDO, JÁ NÃO EXISTE PASSADO OU PRESENTE OS DETALHES MARCANTES TORNAM SE ÚNICOS E ALONGAM E DESPERTAM O HORIZONTE PRO COMBUSTÍVEL DA  REFLEXÃO E MEMÓRIAS ADORMECIDAS. EM CERTOS MOMENTOS OS VIDEOS SÃO TRISTES E MELANCÓLICOS, EM OUTROS SAUDOSOS E CAUSAM INVEJA POR NÃO SE TEREM GUARDADO A MEMÓRIA DO LUGAR COM O DEVIDO RESPEITO ÁS PESSOAS QUE LÁ VIVERAM. ESSE OASIS NUMA CIDADE TÃO CARENTE DE ÁREAS VERDES E  SUPERVALORIZADO RESISTE AO CRESCIMENTO URBANO E AOS INTERESSES ESPECULATIVOS. PEÇO A DEUS VOLTAR E REVER OS CAMINHOS DE MUITAS LEMBRANÇAS ANTES QUE SE ACABE.










vídeos do yuo tube

O BHC CONFIDENTE DE SONHOS

Aos sábados, dia de acordar mais tarde, por volta das seis,  em alguns a rotina era quebrada pela limpeza mais detalhada dos pavilhões. Banheiros, perfumados com criolina, camas e estrados eram quase lavados com um pedaço de pano encharcado de querosene, nos colchões eram polvilhados porções de BHC, veneno agrícola, hoje proibido por ser cancerígeno, por nós usado pra matar pulgas, traças, fungos e o que mais viesse,  destruía qualquer odor, o diabo do BHC era confidente dos sonhos, no chão passava-se cera pra dar brilho e conservar o piso que depois de escovado e lustrado era quase um espelho, com a luz refletida dava pra se ver os vultos e a aquarela no horizonte. O tratamento era feito por todo o lar ao termino, enxada de forma amena, geralmente se trabalhava nos canteiros de flores, e plantas que traziam vida e harmonia ao lugar, nos faziam crer num imaginário concurso do lar com jardins mais bonitos,  pura ilusão, toda visita externa era feita nos lares de baixo, os mais distantes eram totalmente discriminados e esquecidos pela distancia. O 22 por ser o mais próximo da administração e da saída, recebia a maior parte das visitas e até algum utensílio ornamental, sendo o mais protegido e beneficiado, queriam que a maquiagem de lá fosse o reflexo do que nos outros não existia, geralmente as visitas saiam com boa impressão, sem falar mal e até comovidos com a obra instituída e fundamentada.















fotos google imagens e montagens

sábado, 22 de novembro de 2014

A PRAIA, O BRAVO MERCEDÃO E MACARRONADA NAS CURVAS DE SANTOS

Passou-se meu oitavo aniversario e nada, nem eu me lembrei dele, chegaram às férias do meio do ano e minha mãe ainda não tinha vindo me visitar, sabia ser temporário e nunca julguei abandono,  mesmo ilhado pelo mar do desencanto. 
Tudo estava sereno, quase não se via o carrasco, até os capitães do mato, saíram á passeio e do sobejo do quartel, formou se a pequena legião dos sem opção, era ficar ou ficar e vida que segue. 
O trabalho agora leve e prazeroso era  pago, remunerado pelo SERPRO, gatos pingados de vários pavilhões, se reuniam no 16 para vedar sacos plásticos contendo algo sobre imposto de renda com  etiquetas com nome e endereço do contribuinte. 
Durou pouco tempo, com o trabalho remunerado  a gana de se ganhar alguns míseros cruzeiros, fez a coisa andar ligeira, foi a fome com a vontade de comer. No fim de cada dia, sobravam elásticos de montão pra nossa prazerosa livre guerra, criamos atiradeiras, arcos,  revolveres e protótipos  do todo jeito. E veio também o primeiro passeio coletivo, foi no Forte dos Andradas, quartel do exército no Guarujá. Ninguém dormiu e madrugada à dentro, ainda no breu da noite os sem opção de três pavilhões se misturaram e invadiram o Mercedes num êxtase inimaginável. Pela manhã desfeita a cerração, a festa da alma dava vida aos olhos,  Roberto Carlos mostrou claramente os túneis e as curvas da estrada de Santos, misto de medo e prazer ao pensar no mercedão já na curva descendente da idade. 
Na entrada do quartel, um farol no verde, indicava pra seguir pela estrada de mão única, e o primeiro trecho em que se viu o mar,   foi ovacionado com um sonoroso e espontâneo  NÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ.
Dava medo sentir o mercedão se arrastando no caminho muito estreito, e olhar pro penhasco lá embaixo, em certos pontos era mano a mano, o penhasco e o mar. 
A areia separava dois morros, onde canhões cobertos pela mata, apontavam pro mar aberto e pra ilha de pedras, limite pelo mar da área militar, era o paraíso mesmo o clima não ajudando, garoava e parava, lembrei-me da Praia dos Amores e só se DEUS refizesse o lugar pra se parecer com ela, as lembranças traziam um lugar  comum que eu desconhecia, Irmão Domingos surpreendeu pela sunga, sem os trajes habituais e mais ainda, querendo brincar com os menores, todos desconfiados, fez  a escultura de uma baleia na areia, quis jogar bola e tentou ser amável humano, até que os gritos dos desesperados guardas, mandando uns menores voltarem da tentativa de chegar a nado á ilha de pedra, o fizessem tornar-se real sem maquiagem. Foi um castigo leve por serem menores em férias num quartel e estarem na frente dos oficiais, cumpriram tarefas, varrer, lavar pratos, sem brincar durante o resto do dia coisas leves, se lembrarmos..., à tarde seguiu legal, bola, banho, rango e um papo bem descontraído com os soldados até a hora de dormir. O dia nasceu com sol tímido em meio a neblina já comum e não sei se por costume ou pela vontade de brincar acordamos primeiro que os soldados, cuidamos do asseio, café e praia onde fiquei o dia todo, alguns foram ver os canhões, fiquei no paraíso e meu couro praiano,  fingia não sentir o arder do sol. Tarde, noite vadia, de bola, banho e rango, foi servido um inédito, simples macarrão, bem temperado, com pedaços de carne moída, que mais parecia um banquete, em nada   lembrava  os pés de galinha. Antes do sono teve tempo pra um jogo quase oficial na quadra, entre os nossos melhores e maiores, contra os soldados, pareceu final de campeonato, o domingão apelido do diretor pela altura e rigor parecia feliz, ou aliviado pelos internos, no indulto de férias, não parava de exibir a cremalheira serrilhada, feito as de uma rato com dentes miúdos, nosso desempenho de meninos militares, tinha surpreendido os oficiais positivamente e nem a tentativa de se chegar à ilha estragou o nosso brilho. Fomos avisados ao chegar de não nadar pra longe da praia e os soldados no rigor fantasioso do regime vigente do ano de 72, tinham as ordens expressas para atirar em tudo que se aproximasse da ilha, poderia ser uma invasão marxista pra tomar o poder no Brasil, seriam baladeiras contra canhões.

A madrugada da partida, foi muito agitada, vez por outra alguém pulava do beliche no dormitório destinado a nós e corria pra fila já formada na porta do banheiro, onde as latrinas militares, sem vaso esperavam os estomacais contorcionistas.  E foi assim do forte até o começo da subida da serra, onde tinha mato despejamos macarrão carne e a vergonha, se vazando pelo caminho, e era engraçado, tinha gente que se ajoelhava rogando pra descer, o mercedão parava e voávamos aos bandos pras moitas, que nem andorinhas em revoada, e  da janela os  sacanas gritos caguetavam, cagão, cagão, cagão. 
Na entrada da velha estrada, o enfado  e o ar de tristeza era geral e perto do cemitério um grito canto, acompanhado de batidas na lataria e indiferente aos olhos de quem vigiava e poderia punir, troou espontaneamente, quase como revolta, chegamos na gaiola, chegamos na gaiola, chegamos na gaiola, Seu Matos solava o
businaço do fiel mercedão, era o anuncio do fim da feliz jornada, cumprira sua missão bravamente, sem vexame, teria direito a um merecido banho. Os míseros cruzeiros recebidos com o trabalho gastei logo após o desembarque, já não se vazava e corria feliz à padaria, onde torrones e balas 15 me esperavam.



























fotos: google imagens, google earth e amigos do facebook.