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segunda-feira, 16 de março de 2015

(REEDIÇÃO) O BRAVO MERCEDÃO, COM MACARRONADA NAS CURVAS DA BAIXADA.

Passou-se meu oitavo aniversario e nada, nem eu me lembrei dele, chegaram às férias do meio do ano,  minha mãe ainda não tinha vindo me visitar, sabia ser temporário, nunca julguei abandono,  mesmo ilhado pelo mar do desencanto. 
Tudo estava sereno, quase não se via o carrasco, até os capitães do mato saíram á passeio,  do sobejo do quartel, formou-se a pequena legião, dos sem opção, era ficar ou ficar e vida que segue. 
O trabalho agora leve e prazeroso era  pago, remunerado pelo SERPRO, gatos pingados de vários pavilhões se reuniam no 16 para vedar sacos plásticos contendo algo sobre imposto de renda com  etiquetas com nome e endereço do contribuinte. 
Durou pouco tempo, com o trabalho remunerado  a gana de se ganhar alguns míseros cruzeiros fez a coisa andar ligeira, foi a fome com a vontade de comer. No fim de cada dia sobravam elásticos de montão pra nossa prazerosa livre guerra, criamos atiradeiras, arcos,  revolveres e protótipos  do todo jeito. E veio também o primeiro passeio coletivo, foi no Forte dos Andradas, quartel do exército no Guarujá. Ninguém dormiu e madrugada à dentro ainda no breu da noite, os sem opção de três pavilhões se misturaram e invadiram o Mercedes num êxtase inimaginável. Pela manhã desfeita a cerração, a festa da alma dava vida aos olhos e Roberto Carlos mostrou claramente os túneis e as curvas da estrada de Santos, misto de medo e prazer ao pensar no mercedão já na curva descendente da idade. 
Na entrada do quartel, um farol no verde indicava pra seguir pela estrada de mão única e o primeiro trecho em que se viu o mar,    foi ovacionado com um sonoroso e espontâneo  NÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓÓ.
Dava medo sentir o mercedão se arrastando no caminho muito estreito e olhar pro penhasco lá embaixo, em certos pontos era mano a mano, o penhasco e o mar. 
A areia separava dois morros onde canhões cobertos pela mata apontavam pro mar aberto e pra ilha de pedras, limite pelo mar da área militar, era o paraíso mesmo o clima não ajudando, garoava e parava, lembrei-me da Praia dos Amores e só se DEUS refizesse o lugar pra se parecer com ela, as lembranças traziam um lugar  comum que eu desconhecia, Irmão Domingos surpreendeu pela sunga, sem os trajes habituais e mais ainda querendo brincar com os menores, todos desconfiados, fez  a escultura de uma baleia na areia, quis jogar bola e tentou ser amável até que os gritos dos desesperados guardas mandando uns menores voltarem da tentativa de chegar a nado á ilha de pedra o fizessem tornar-se real, sem maquiagem. Foi um castigo leve por serem menores em férias num quartel e estarem na frente dos oficiais, cumpriram tarefas, varrer, lavar pratos, sem brincar durante o resto do dia, coisas leves se lembrarmos..., à tarde seguiu legal, bola, banho, rango e um papo bem descontraído com os soldados até a hora de dormir. O dia nasceu com sol tímido em meio a neblina já comum e não sei se por costume ou pela vontade de brincar, acordamos primeiro que os soldados, cuidamos do asseio, café e praia, onde fiquei o dia todo, alguns foram ver os canhões, fiquei no paraíso e meu couro praiano  fingia não sentir o arder do sol. Tarde noite vadia, de bola, banho e rango, foi servido um inédito macarrão bem temperado com pedaços de carne moída que mais parecia um banquete e  que não lembrava  em nada os pés de galinhas. Antes do sono teve tempo pra um jogo, quase oficial, na quadra, entre os nossos melhores e maiores contra os soldados, pareceu final de campeonato, o domingão apelido do diretor pela altura e rigor parecia feliz ou aliviado pelos internos no indulto de férias, não parava de exibir a cremalheira serrilhada feito as de uma rato com dentes miúdos, nosso desempenho de meninos militares tinha surpreendido os oficiais positivamente e nem a tentativa de se chegar à ilha tinha estragado nosso brilho. Fomos avisados ao chegar de não nadar pra longe da praia e os soldados no rigor fantasioso do regime vigente do ano de 72, tinham as ordens expressas para atirar em tudo que se aproximasse da ilha, poderia ser uma invasão marxista pra tomar o poder no Brasil, seriam baladeiras contra canhões.

A madrugada da partida foi muito agitada, vez por outra alguém pulava do beliche no dormitório destinado a nós e corria pra fila já formada na porta do banheiro, onde as latrinas militares, sem vaso, esperavam os estomacais contorcionistas.  E foi assim do forte até o começo da subida da serra, onde tinha mato despejamos macarrão carne e a vergonha, se vazando pelo caminho, e era engraçado, tinha gente que se ajoelhava rogando pra descer, o mercedão parava e voávamos aos bandos pras moitas que nem andorinhas em revoada, e  da janela os  sacanas gritos caguetavam, cagão, cagão, cagão. 
Na entrada da velha estrada, o enfado  e o ar de tristeza era geral e, perto do cemitério um grito canto acompanhado de batidas na lataria e indiferente aos olhos de quem vigiava e poderia punir, troou espontaneamente quase como revolta, chegamos na gaiola, chegamos na gaiola, chegamos na gaiola, Seu Matos solava o
businaço do fiel mercedão era o anuncio do fim da feliz jornada, cumprira sua missão bravamente sem vexame, teria direito a um merecido banho. Os míseros cruzeiros recebidos com o trabalho gastei logo após o desembarque, já não se vazava e corria feliz à padaria onde torrones e balas 15 me esperavam.



























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