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segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

NATAL E GALINHAS CARANGUEJO

                                    


Do final do ano de setenta e dois  lembro que todos usavam calças jeans azuis, camisas brancas  com o nome Educandário Dom Duarte estampado em relevo  azul claro e tênis conga, tudo entregue dias antes para a festa, todos estavam no clima se sentindo lordes afortunados, o presépio estava pronto e enfeitava o salão principal com serragem, barro, terra branca que tinha a textura de talco, grama, pedras, e galhetos que nos remetia a realidade do cotidiano, as figuras das pequenas estatuetas eram conhecidas das histórias bíblicas marteladas nas missas, essa tradição de se fazer presépios foi repetida ao longo dos anos. Todo o EDD reunido no velho teatro, os irmãos diretores, chefes dos lares, alguns funcionários e convidados, apresentações artísticas dos alunos e a presença das senhoras da liga católica. De volta ao pavilhão foram distribuídos os presentes, os melhores pra quem passou e inferiores pra quem teria que repetir o ano letivo e vieram das mãos de algumas senhoras da liga que surpreenderam o agora desconfiado sem graça amável santinho feitor numa visita repentina bem na hora do almoço, é que para não sujar de barro o refeitório o rango foi devorado fora, ao relento de um dia nublado, pra sorte do desgraçado e nossa não garoou na hora. Alegria e comida diferenciada, galinha bem assada traçada com as mãos, diferente dos pés e pescoços cozidos servidos durante o ano. Alguns ainda tiveram o premio de disputar um desejo nas titelas lavadas com a boca sem mordiscar as pontas apesar do desejo e secas ao mormaço do meio dia. A ceia no almoço foi tão boa que tivemos que lavar cada um a sua camisa e calça recém-inauguradas de impressões digitais deliciosas e gordurosas, sobe gritos e berros de porcos imundos, e levou tempo, muito tempo pra eu deixar de triturar ossos de galinha sugando até o fim a ultima porção do deleite feito os caranguejos que nunca saciam e se tem cada vez mais,vontade de comer. 

















fotos Carlos Lourenço pav.22, google imagens                                                                                                   

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A MACULAÇÃO DO PARAÍSO E OS BANDEIRANTES CANGACEIROS

       BANDEIRANTES OU CANGACEIROS NAS TERRAS DO QUILOMBO

Na volta das férias pouca coisa mudara, a parte de traz do pavilhão, estava agora coberta com telhas de amianto, o frio ia diminuindo aos poucos e o trabalho recomeçando, de novo nos pés da amoreira, que agora estava praticamente sem folhas, cheias de casulos que em breve anunciariam a primavera colorindo de borboletas, pássaros e flores os campos. Sendo praticamente os mesmos, já se sabia quem era quem, se confiável, se cagueta, se fraco, se raçudo, com isso as amizades se fortaleciam. Os fins de semanas sem passeio ou visitas eram de muito futebol no nosso campinho e intensas brincadeiras. Os seriados de TV e principalmente os filmes na telona sábado à noite serviam de inspiração para o lazer, eram criados brinquedos e armas improvisadas com tudo que se apresentasse. No barranco atrás da trave do lado esquerdo do campo havia uma mini cidade, casas, caminhos, prédios tudo escavado no barro e com cacos de vidro servindo de vitrine num zoológico de bichos e insetos, da mata, cabanas, com direito a rede do resto de tapetes, armadilhas com cipós, arapucas, lanças, arcos e flechas, tendo como alvo as bananeiras. As brincadeiras preferidas e que geralmente envolviam quase todos e de alguma forma fortaleciam ainda mais as amizades eram de guerra, policia e ladrão e bate lata, todas eram  motivo pra se desvendar a mata.  No bate lata jogava-se uma pra cima e todos corriam pra mata e arredores pra se esconder, um ficava e tinha que achar os demais, se alguém chegasse ao meio do campo salvava os pegos. Quem batia a lata passava a impressão de que todos estavam por perto iludindo o feitor. Era a hora de se embrenhar na mata e em pequenos grupos sair do EDD quase que foragidos, poderíamos ser confundidos com um bando de guerrilheiros até cangaceiros se a idade da tropa fosse maior e as imitações de revolver, metralhadoras, pistolas, espadas, facas e outras armas fossem convincentes, de longe até enganava, de verdade só algum canivete ou faca improvisada, tudo escondido a sete chaves e que poucos possuíam, era um dos sonhos de consumo, possuir um canivete multi uso ou uma faca boa. Toda á mata e arredores foi visitada por nós, no inicio íamos só até a bica que ficava um pouco abaixo do cenáculo onde corríamos pelos ainda poucos morros de barro vermelho, por lá só uma rua com cerca de 12 casas e outras nos arredores, só ela e a rodovia, passarela de Marcopolos modernos lembrava a civilização era quase um quilombo, os moradores sempre se assustavam mesmo com a nossa passagem ao longe, creio que apesar da barreira que a mata fazia todos sabiam da existência do EDD e com as deturpadas informações sobre nós, tidos como maus elementos e menores infratores sempre causava apreensão. Chegamos a cruzar a rodovia e em linha reta alguns quilômetros á frente, chegar á um asilo de padres e freiras perto de um templo com uma grande imagem de Buda estranha ao lugar e quatro vezes maior que um ser humano, na volta entramos numa propriedade pra comer frutas sendo escorraçados pela confusão que fizeram marrecos e gansos. Pelos caminhos era comum encontrar os Lobinhos, grupo de escoteiros uniformizados, com tudo que gostaríamos de ter, barracas, mochilas, bussolas mesmo que a gente não precisasse, facas, lanternas, cantis, botas e até umas meninas, chegava a dar inveja o material que tinham. O fato de terem um líder adulto, uniformes e o cair do sol exigia o fim da jornada, sabíamos das punições que o desbravante passeio poderia causar e ao avista-los saiamos pela tangente. Comum também era a quantidade de despachos encontrados, a doutrina católica vigente e as estórias do carrasco enchiam de preconceitos e assombros tudo que se referia á umbanda, por isso algumas imagens encontradas me causavam medo. Queixinho ganhou a fama de azarado por ser um dos poucos que mexia nas oferendas. Sem o respeito merecido e sem medo, se o despacho fosse novo provava da comida, e chegou até a beber uns goles da bebida que estando quente não agradou. Uma vez tirou um pequeno punhal, troféu pra ele, ambição de alguns e amaldiçoado por muitos, não tive coragem de toca-lo e não lembro se foi roubado ou tomado acho que voltou pra mata.
Nas incursões rumo á água do Taboão duas dores naquela tarde garoenta, na cabeça do alto, inicio da descida rumo á bica víamos às dezenas, os montes de toras de eucalipto empilhados, retalhados no mesmo tamanho, a cena remetia á Daniel Boone, descobrimos que ali era uma das fronteiras não existentes aos olhos. Dor, a mata desvirginada maculava o paraíso.

Misturadas, garoa e terra desnuda presenteavam os congas, kichutes e havaianas com sapatos de neve de barro, foi com eles que chegamos á aldeota de uma rua só, subimos pelo meio da rua, em silencio, sem alarde, quase sem detalhar as casas. Éramos uns dez curumins sem rumo certo num domingo á tarde, Japonês, Queixinho, Dentinho, Lima, Cardoso, Chipo, Neguinho do 14, acho que o Gordo, outros que não me lembro e nosso cachorro Dick, fiel confidente e companheiro de muitas jornadas. O alarde era o próprio passar da tropa, assim o inesperado desfile fez os curiosos e temerosos moradores saírem ás janelas, íamos sem encarar as pessoas, a tamanha timidez da tropa impediria qualquer contato, não o dos olhos que em minúsculas frações de segundos ao encontrar outros declaram infinitas emoções. Só as moças não despejaram o incriminante apontador olhar da discrimação, deve ter sido isso, os olhares que trouxeram a zanga ao grupo de rapazes nativos, mesmo sem gracejos, palavras e gestos sou  capaz de jurar. Passamos na direção oposta á bica e os morros vermelhos agora em maior numero recortados e redesenhados pelos tratores foram o palco da primitiva batalha sem luta. Embarrerando uma rota de fuga os nativos agora empunhando estacas, facas e facões do outro morro gesticulavam suas intenções. Nós com armas de brinquedo buscávamos a outra rota, a merda é que alguém respondeu com gritos e levantou epicamente a falsa arma, foi a declaração de guerra que faltava. O que fez nosso grupo voltar foi a lembrança de punição ao não permitido passeio e os nativos que se avolumavam, já eram por volta de quatro pra um. Graças à condição física militar adquirida furamos o bloqueio correndo ligeiro por outro morro cheio de poças d’água, ao pé da mata deflorada começamos a subir enlameados mais a alma que o corpo. Queixinho vinha na frente com Dick e se desgarrou do grupo, se prosseguisse pelo caminho do cenáculo estaria salvo, numa manobra errada tentou voltar á formação, foi quando o pegaram, á uns quarenta metros distantes e uns trinta de altura, faltava fôlego e força pra conseguirem nos acertar com pedradas. Estando no alto e municiados de toras caberia revide só que Caolho na fictícia condição de tenente do grupo sendo o mais velho, desfez a apavorada tropa do resgate, foi covarde e vergonhoso vê-lo nas mãos do agora inimigo declarado, apanhando, cercado de facas e nada fazer, por Deus não aconteceu o pior. No voltar o adiantado da tarde e a lama nos corpos nos rendeu broncas e enxadas até a chegada sem demora dos nativos com Queixinho amarrado, denunciando o algo a mais, deu pra ver de perto as facas nas cinturas e que o líder deles era um mentiroso homem feito, na casa dos vinte e cinco. Descreveu  um rosário de inverdades sem direito a defesa pela fuga, mas confessou sem querer, nossa fama assustava. 
O sermão de Seu Bento doeu mais que qualquer castigo aplicado, na vergonha a lição aprendida e a covardia me reduziu á  dois Lázaros o insano covarde e o bíblico ressuscitado. 

























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