SEMANDO SONHOS – A HISTÓRIA DO PROJETO PRAIA DA MAÇÃ
PREFÁCIO
EXCLUSÃO SOCIAL, UMA REALIDADE BRASILEIRA.
Em seu escritório, fim de mais um dia de
luta, Osvaldo Gomes Bomfim, o Osvaldo da Maçã, como é mais
conhecido na cidade sorriso que é Niterói, após atender ao último cliente
como corretor de imóveis e de ter realizado muitos negócios de compra e
vendas de imóveis e comércios, trabalhando há mais de vinte anos nesta
profissão, entra em devaneios sobre seu passado de lutas e pensa nas
futuras realizações de sonhos visionários.
Pelo passado lembra a luta da Sra sua
mãe, uma mulher guerreira que sem recursos que é obrigada a internar seus
filhos, logo depois do seqüestro de seu marido e depois luta
desesperadamente para comprar uma casa para reunir toda a sua família,
tenta de todas as formas proporcionar uma vida mais digna aos seus filhos.
Osvaldo da Maçã, que teve como avô
paterno: Honorato Manoel Bonfim, médico muito conceituado, professor
universitário, escritor, que serviu durante vários anos ao Estado da Bahia.
Poliglota, escritor e falando dezenove idiomas, teve seus méritos por ter
recepcionado chefes de Estado vindo do exterior, deixou várias obras
literárias de valor inestimável.
Após o falecimento de seu avô em 1950, o
seu genitor Oscar da Silva Bomfim, junto com o irmão José Seraphim decidem
aventurar-se ao sudeste no Rio de Janeiro e São Paulo. Oscar vai morar em São Paulo e é
seqüestrado, Osvaldo e seus irmãos são completamente Excluídos da
Sociedade.
E é assim que se inicia a luta pela inclusão,
porque não dizer esta Odisséia deste visionário e abnegado
lutador que é: Osvaldo Gomes Bonmfim, o Osvaldo da Maçã, autor deste livro,
que retrata uma realidade brasileira.
Um parque lá na infância entra na vida do
Osvaldo e quarenta anos mais tarde o parque volta na vida do nosso
personagem para garantir o futuro turístico da cidade de Niterói.
Vale a pena ter este primeiro livro em
sua biblioteca e completando os demais volumes a serem publicados
futuramente. Eu li e recomendo como lição de abnegação e luta de um sucesso
próximo.
Parabéns Osvaldo.
Carlos Alberto B. Cunha ( Carlos
kaká)
LIVRO - SEMEANDO SONHOS
A HISTÓRIA DO PROJETO PRAIA DA MAÇÃ – 1ª PARTE
O COMEÇO
Meu nome é Osvaldo Gomes Bomfim, nasci em São Paulo em 29 de
maio de 1955. Minha história começa muito antes do meu nascimento, com a
lembrança de meu avô paterno, Honorato Manoel do Bomfim. Meu avô era um
médico bem conceituado, professor universitário de medicina e escritor.
Serviu durante muitos anos ao governo do Estado da Bahia. Era poliglota,
falava dezenove idiomas, por esse mérito recepcionava todos os chefes de
Estado vindos do exterior. Ele era daquelas figuras consideradas
brilhantes, deixou várias obras literárias. Seus feitos foram considerados
tão grandiosos, que após seu falecimento, a casa onde morava, foi
transformada no Museu de Artes da Cidade, sediado na rua principal de Feira
de Santana, instituição que obviamente recebeu o seu nome.
Meu avô casou duas vezes. Sua primeira
esposa chamava-se Eulina da Silva Bomfim, que era de uma família
tradicional portuguesa. Deste casamento nasceu um filho, Oscar Gomes
Bomfim, meu pai.
O segundo matrimônio foi com Lucídia
Soares Bomfim. Tiveram seis filhos: José Seraphin Soares Bomfim, Antônio
Carlos Soares Bomfim, Yolanda Soares Bomfim, Artur Soares Bomfim, Lenise
Soares Bomfim e Honorato Manoel do Bomfim Filho.
Meu Bisavô por parte do pai de mamãe
chamava-se Manoel Gomes de Sá Ferraz, também foi respeitado e destaque no
cenário nacional, casado com Maria Edwirges de Jesus. Tiveram seis filhos:
João Gomes de Sá Ferraz, Pedro Gomes de Sá Ferraz, Antonio Gomes de Sá
Ferraz, Manoel Gomes de Sá Ferraz, Constança Gomes de Sá Ferraz e Margarida
Gomes de Sá Ferraz. O Bisavô por parte da mãe de mamãe chamava-se Jerônimo
de Souza e Maria da Conceição de Souza. Tiveram seis filhos: Pedro Jerônimo
Souza, João Jerônimo Souza, Manoel Jerônimo Souza, Maria Madalena de Souza,
Ana Maria de Souza e Luiz Gomes de Souza. Do matrimônio do vovô João Gomes
de Sá Ferraz e Luzia Gomes de Sá, nasceram onze filhos: Maria Gomes de Sá,
Josefa Gomes de Sá, Manoel Gomes de Sá, Virginia Gomes de Sá, Maria do
Carmo Gomes de Sá, Jerônimo Gomes de Sá, João Gomes de Sá, Iraci Gomes de
Sá, José Gomes de Sá e Margarida Gomes de Sá, a mamãe.
A AVENTURA NO RIO, MINAS GERAIS E SÃO PAULO
Após o falecimento de meu avô, em 1950,
meu pai e meu tio José Seraphin, fizeram um acerto com Lucídia. Receberam a
parte da herança que cabia a cada um e resolveram, então, aventurar a vida
no sudeste.
Meu pai aquela época, já era casado com
minha mãe, a pernambucana Margarida Gomes Bomfim. Partiram com a filha
recém nascida, Maria José Gomes Bomfim, em direção a Minas Gerais. Lá
ficaram em Teófilo
Otoni , onde nasceu o segundo filho, Osmar Gomes Bomfim.
Depois o casal seguiu para São Paulo, enquanto meu tio, José Seraphin,
pegou o rumo do Rio de Janeiro.
Em São Paulo , meus pais foram morar na Vila Alpina. Meu pai
era contador, empregou-se como escriturário da Real Aerovias. Passado um
ano nasceu minha irmã Luzia Gomes Bomfim, dois anos depois, em 29 de maio
de 1955, eu nasci. Naquele momento nasceu comigo o estigma de um sonho, o
“personagem” conhecido como “Osvaldo da Maçã”
.
MINHA FAMÍLIA
Tinha apenas quatro anos de idade, mas
lembro-me muito bem como era feliz na segurança do lar. Costumava ficar o
tempo todo ao lado de minha mãe. Aonde ela fosse, eu ia atrás: no quarto,
na sala, na cozinha... ah, como eu gostava de ver minha mãe no tanque
lavando roupa, ouvi-la cantar suas músicas preferidas: “Trem das Onze”,
“Ei, você aí, me dá um dinheiro aí!”... e tantas outras músicas alegres
daquela época.
Cantarolava o tempo todo, enchendo a casa
de melodia: “Lá, lá,ia... lá, lá, iaaá...”
Em casa, meu pai não deixava faltar nada,
comprava sacos de 60 quilos de arroz, feijão, leite em pó, etc. Era um
homem trabalhador, muito dedicado a família. Um marido querido, um pai
amoroso. Gostava de nos ensinar brincando... que saudades!
Umas das lembranças mais viva em mim era
a paixão do meu pai por livros e música. Era um homem muito politizado, sem
ser filiado a nenhum tipo de movimento ou partido político. Vivia dizendo
que o nosso país “era governado por políticos corruptos e sacanas”. Para
meu pai, os governantes eram “todos ladrões!”
“Não podemos cruzar os braços. Alguma
coisa precisa ser feita, para termos uma sociedade mais justa e solidária!”
– e era isso que ele fazia. Não se calava diante dos erros. Gostava muito
de escrever diariamente, às vezes, escrevia de dia ou à noite, para jornais
e revistas. Mandava notinhas expressando suas idéias e pensamentos sobre as
tomadas de decisões dos governantes.
Meu pai tocava piano. Era amante da boa
música, principalmente, clássicos. Gostava de ouvir as músicas e
noticiários na rádio, tinha uma coleção de discos de ópera. Para meu pai,
livros e discos eram sagrados. Seus preferidos eram: Bethoven, Tchaykovysk,
Chopin, e outros. Quando meu pai estava escutando um conserto, dizia: “Você
precisa sentir a música, deixá-la tocar seu interior e distinguir cada
instrumento tocado”.
Num certo Natal, em mil novecentos e
alguma coisa... (não me lembro muito bem da data), ganhei dele um trenzinho
elétrico. Foi a maior alegria! Brincávamos juntos, no chão da sala, o tempo
todo. Meu pai fazia com a boca barulhos engraçados imitando um trem.
Meu pai me trazia segurança, esse
sentimento era tão forte, tão real que acreditava que nada de ruim pudesse
acontecer comigo. Ninguém roubaria de mim a minha família, o meu “mundo
feliz”, mas... o destino brincou: eu me enganei.
O SEQUESTRO DO MEU PAI
Certo dia, estava em casa sozinho com meu
pai, minha mãe tinha saído com meus irmãos. De repente ouvi gritos, porta
batendo. Fiquei temeroso. Homens desconhecidos, fardados, invadiram nossa
casa. Vi quando bateram no meu pai. Estavam furiosos: xingavam, chutavam...
não pude fazer nada, o que eu poderia fazer? Era apenas um menino de quase
cinco anos.
Tive tanto medo! Tentei me esconder... só
tinha um jeito: correr para rua! Havia um buraco, que a prefeitura tinha
aberto para colocar canos d'água. Não pensei duas vezes, corri e entrei na
vala. Permaneci dentro do buraco, só com a cabecinha de fora, escondido.
Não gritei, fiquei calado porque achava que eles podiam me pegar também. Vi
quando colocaram meu pai num carro e o levaram embora.
Naquele momento senti meu mundo se
desmoronar, estava sozinho, sem saber o que fazer. Senti-me perdido no meio
do nada.
Dali pra frente, minha vida e da minha
família se transformou radicalmente. Quando minha mãe chegou em casa e
perguntou pelo meu pai, no meu desespero me atropelei nas palavras. Contei
o que tinha visto. Ela também ficou desesperada. Os dias e meses se
passaram, não tivemos nenhuma notícia sobre ele. Naquela altura, minha mãe
com cinco filhos para criar, a comida começando a faltar, contas e mais
contas... a coitada não sabia o que fazer. Hoje fico imaginando o drama
interno que minha mãe passou naquele momento. Não tinha nenhuma condição de
nos manter, a única alternativa era internar os filhos em instituições e
começar a trabalhar como doméstica.
Capítulo 2
UM MENINO EXCLUÍDO DA SOCIEDADE
A CASA DA CRIANÇA
Em vinte e sete de dezembro de 1960, já com cinco
anos, fui completamente excluído da sociedade. Internaram-me na Casa da
Criança (hoje, conforme me informei, Casa da Infância), pertencente a uma
entidade da Liga das Senhoras Católicas. – naquela época, situava-se na
Travessa Maria Figueiredo, na Avenida Paulista – Centro – São Paulo. – Tel.
(011) 3873-2911.
RELATORIO SOCIAL
SUMÁRIO DE TRANSFERÊNCIA
I – IDENTIFICAÇÃO:
Pt. 51.302 Processo
assistido
MENOR: OSVALDO GOMES BOMFIM,
5 anos, branco, sexo masculino, nascido no Hospital São Paulo, Capital,
registrado no Cartório de Vila Prudente, batizado, internado neste S.A.T.
em 27-12-60.
FILIAÇÃO: Pai:- Oscar Silva
Bomfim, 35 anos, casado, brasileiro, natural da Bahia, casado no civil e
religioso com a mãe dos menores, era escriturário da Real Aerovias, porém
abandonou o emprego e está em local ignorado.
Mãe Margarida Gomes Bomfim
, 30 anos, branca natural de Pernambuco, doméstica atualmente
desempregada.
IRMÃOS: 1)Maria José Gomes
Bomfim, 10 anos, registrada, está no 3° ano primário, atualmente na
companhia da mãe.
2)Osmar Gomes Bomfim, 8
anos, sexo masculino, branco, registrado no Cartório do 37° Subdistrito
de Vila Maria n° 16.993, fls. 95 Livro A-03.
3)Luiza Gomes Bomfim, 6 anos,
registrada internada no I.A.D., na rua Tamandaré.
4)Maria Aparecida Gomes
Bomfim, 1 ano registrada, atualmente com a mãe.
II-Resumo Do Estudo Do Caso
:
a)SOCIAL:
Trata-se do menor internado
através do plantão S.S.M. neste S.A.T., Casa da criança em 27-12-60, em
virtude da desagregação da família motivada pelo abandono do pai.
Segundo consta do relatório
da Assistente Social de plantão Da. Margarida abandonada pelo marido, que
sofre das faculdades mentais viu-se forçada a deixar seus filhos com famílias
conhecidas.
Recorreu ao S.S.M. para
solicitar ajuda financeira, o que foi concedido. Foi realizada visita
domiciliar na qual constatou-se a veracidade da situação.
Cont.
fls.-2-
II-RESUMO DO ESTUDO DO CASO
a)SOCIAL:
Nesta ocasião combinou-se
que os menores continuariam com as famílias até acertar um tratamento
mais adequado ao caso.
Verificou-se que Da.
Margarida é mãe compenetrada de sua responsabilidade, interessando-se
pela sorte dos filhos.
Em 26-12-60, Da. Margarida
retornou ao plantão acompanhada de todos os seus filhos. Achava-se em
situação precária pois, as famílias devolveram seus filhos, alegando não
poderem mais continuar com os mesmos.
Solicitou a internação dos
menores comunicando que ficará com Maria Aparecida no emprego, pois seus
patrões permitem.
Por outro lado, a
interessada acha que não poderá continuar no emprego onde tem encontrado
dificuldades muito grandes.
Em virtude da situação o
encarregado do plantão deu parecer favorável a internação dos menores
Osmar, Luiza e Osvaldo, tendo em vista a impossibilidade da mãe tê-los
junto a si por enquanto.
Em 27-12-60 os menores
Osvaldo, Osmar e Luiza foram internados respectivamente no S.A.T., Casa
da Criança, S.A.T. pavilhão II o Instituto de Aprendizado Doméstico.
Neste S.A.T., a mãe
compareceu para visitar os menores, comunicando que havia saído do
emprego e que no momento não está em condições de desinternar as
crianças.
CLÍNICO : O menor apresenta
mucoses descoradas, tomando ferruginose, teve parotidite epidérmica.
III – PARECER:
Diante dos dados expostos,
somos pela transferência do menor para a “CASA DE PERMANÊNCIA DA RUA
MARIA FIGUEIREDO” ... onde aguardará desinternação tão logo seja
possível.
São Paulo, 28 de março de
1961
________________
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Assistente Social
Médico
|
Nos primeiros dias de interno, chorava
muito. Não me conformava com a situação. A falta da minha família,
principalmente de minha mãe, me consumia por dentro, pouco a pouco, fui me
definhando. A lembrança de meu pai sendo levado por homens estranhos, não
saía da minha cabeça e, até hoje, carrego essa imagem comigo. Sentia-me
deprimido e temeroso, nem sabia se ele estava vivo. Mais tarde soube o
motivo da sua prisão, como veremos nas próximas páginas deste livro.
Meus irmãos, Luzia e Osmar, também penaram e
pagaram um preço muito alto, com a “perda” do chefe da família. Luzia com
seis anos, foi internada no Instituto de Aprendizado Doméstico (IAD),
situado na Rua Tamandaré. O Osmar com oito anos, foi encaminhado para o
Educandário Dom Duarte (EDD). Minhas irmãs Maria José, com 10 anos, e Maria
Aparecida, com 1 ano iam ficar por enquanto com minha mãe.
Fiquei doente, estava muito triste. Não
comia direito, peguei sarna, tive que operar as amídalas. Vivia na
enfermaria cheio de pomada branca, deitado no beliche. Chorava muito com
saudade dos meus pais. Então, Deus sentiu piedade de mim e colocou no meu
caminho um anjo. Esse anjo, em forma de mulher, era uma senhora muito
bondosa, Dona Açucena, uma espécie de “mãe de todos”. Muito carinhosa e
atenciosa, conquistou minha confiança e meu respeito. Meu apego a ela fez
com que eu conseguisse me adaptar ao meu novo lar. Fui me acostumando, fiz
amizade com outras crianças que se encontravam na mesma situação que a
minha. Meus melhores amiguinhos eram: Silas, Mário Lúcio, Rusti e Robseque.
Havia também um homem chamado Cláudio,
que parecia mais um chefe de escoteiro. De vez em quando, ele aparecia na
Casa da Criança para distrair a criançada. Fazia mágicas, contava histórias
e brincava com a gente. Nos nossos encontros sempre levava diversos bichos,
mostrava como se defender e até mesmo pegá-los, um desses bichos era a
aranha caranguejeira (daquelas bem grandes!). Nos ensinou também como se
defender do bote das cobras venenosas.
Mas o que eu gostava mesmo era das suas
histórias, cada uma de dar medo! Às vezes apagava a luz do quarto, batia
com madeira no chão, pra fazer o “toque-toque” do pica-pau, os gritos
tornavam as histórias mais reais. Cláudio sabia ensinar, ensinava
brincando. Fiquei maravilhado quando descobri que o pica-pau consegue dar
cem bicadas na árvore por um minuto! – “Puxa!”
Nosso amigo Cláudio levava também as
crianças para fazer caminhadas ecológicas, ensinava tudo sobre
sobrevivência na floresta. Dizia que a raiz do sapê dava um bom caldo de
cana e algumas árvores tinham os galhos doces. Chegamos a chupar muitos
galhinhos doces. Ele nos ensinou a adotar e plantar árvores, colher os
frutos, plantar e colher verduras, legumes, etc. Cláudio nos dizia que era
preciso aprender a trabalhar com a terra, a plantar e lidar com os animais;
um dia, dependeríamos deles para sobreviver. O cultivo da terra é a sobrevivência
do homem. Seus ensinamentos fizeram de mim o ambientalista que hoje eu sou.
Permaneci quatro anos na Casa da Criança,
não me lembro, durante esse período, ter recebido visita de algum parente.
Esperava ansiosamente em
vão. Não via minha mãe e nem meus irmãos, muito menos,
tinha notícias de meu pai. Estava com sete pra oito anos, crianças dessa
idade não ficavam na Casa da Criança. Meus dias de tranqüilidade estavam
chegando ao fim.
Em vinte e três de fevereiro de mil
novecentos e sessenta e quatro, fui transferido com outros internos para o
Educandário Dom Duarte, onde meu irmão Osmar já se encontrava. O EDD
situava-se, naquela época, na Estrada Velha da Cutia, Km 16 – São Paulo –
Tel.: (011) 3782-0773.
RELATÓRIO
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL E UMA PARA A FICHA MÉDICA – OSVALDO)
Capítulo 3
NO EDUCANDÁRIO DOM DUARTE
REGULAMENTOS – ALIMENTAÇÃO
Só os filmes “Um Sonho de Liberdade” e “Alcatraz”,
poderiam dizer o que eu passei no Educandário Dom Duarte. Distante quarenta
minutos do Centro de Pinheiros, em São Paulo , o lugar era um tipo de
penitenciária: muros altos, com mais ou menos três metros de altura;
guarita; funcionários “linha dura” e, lá dentro, 25 pavilhões. Cada Pavilhão
tinha um casal que tomava conta de aproximadamente 50 crianças.
O regulamento interno estabelecia: visita
dos parentes uma vez por mês, levantar cinco horas da manhã, arrumar a
cama, tomar banho gelado, depois descer em fila para o refeitório.
Após o café o trabalho era duro: enxada,
enxadão, foice e picareta. Às 12:00h, era servido o almoço no refeitório;
na parte da tarde tínhamos aulas com os professores na sala e nas oficinas
de aprendizagem no Grupo Escolar Rural do EDD. As 18:00h, o jantar era servido;
as 20:00h, alojamento, todo mundo na cama! Os sapos e rãs faziam o som
noturno.
Os internos com um bom comportamento,
tinham o direito à missa e a recreação geral no domingo com piscina,
futebol e cinema.
Quem cometesse alguma infração, durante a
semana, perdia o direito das visitas e das recreações dos domingos por
período indeterminado. Os castigos variavam: ajoelhar no milho,
palmatórias, surras com porretes de madeira no lombo, vara de marmelo nas
pernas, etc. Uma desobediência considerada mais grave, levava os internos
para a solitária.
A solitária era um porão escuro que
ficava em baixo do cinema: chão de terra, grades e muito rato! Foram
inúmeras vezes que estive na solitária. Quando ficava na solitária,
meditava sobre minha vida, a tristeza batia e tentava afugentá-la cantando.
Para não ficar mais desesperado inventava histórias pra mim mesmo e para os
ratos, que me faziam companhia. Dormia tenso, com um olho aberto e o outro
fechado, com medo que um rato pulasse em cima de mim, ou algo parecido. E
barata? Ah, essas existiam aos montes! Faziam a festa naquele chão úmido.
Como a solitária ficava num porão de baixo do cinema, dava para ouvir o som
dos filmes, fechava os olhos e imaginava as cenas. Ali sozinho, deitado
abandonado no chão de terra (não tinha cama, nem cochonete), construía meu
mundo de sonhos e possibilidades. Que garantias têm uma criança excluída da
sociedade, distante do mundo, isolada de tudo e todos, vencer na vida?
Hoje, refletindo em tudo o que passei até chegar onde estou, vejo que na
verdade, nunca estive sozinho. Mesmo naquela solitária fria, escura e
úmida; sem vida, luz e calor humano, não me encontrava só. Uma Força
Superior me acompanhava, me protegia, me energizava. Por isso nunca percam
a fé, de um jeito ou de outro, coisas boas acontecem. Eu acreditava nisso.
Sonhar é extremamente necessário, é o curativo para dor da alma; sem
esperanças o desespero vem e acaba nos consumindo, pouco a pouco.
Os motivos que levavam os internos à
solitária, ou receberem outros castigos, variavam: o não cumprimento dos
trabalhos na enxada; não executar as tarefas no seu pavilhão e na oficina;
desacato as ordens dos monitores e chefes de pavilhões. Brigas, falar
palavrões ou roubos, também eram razões de severos castigos.
A alimentação era muito ruim. A lei do
mais forte imperava, o chefe do pavilhão tirava o melhor para si e o resto
ficava na disputa dos internos menores. Eu e meu amigo Silas, que foi
transferido da Casa da Criança para o EDD comigo, éramos voluntários.
Sempre fazíamos o transporte da comida em padiolas pesadas do pavilhão 25
(pavilhão cozinha) para o nosso pavilhão. No meio do caminho, a gente
entrava no mato, abria as panelas e enchia a barriga. Depois seguíamos para
o nosso avilhão.
Certa vez, soube que um juiz ia visitar o
Educandário e fazer uma vistoria, devido à denúncia de maus tratos. Juntei
uns colegas e fizemos uma composição musical, depois a gente distribuiu
entre os internos e ensaiamos pra fazer bonito no dia da visita. Quando o
juiz do Juizado de Menores chegou no nosso pavilhão (pavilhão 12), todos
cantaram:
Oh! Seu Juiz tenha compaixão
Tire os menores desta prisão,
Estamos todos de amarelão,
Lavando roupa de pé no chão.
Lá vem a bóia da macacada,
Arroz queimado, feijão sem sal
E mais a traz vem à batatinha
Que parece chumbo de matar rolinha
E depois vem o macarrão
Que parece cola de colar balão
E mais a trás vem à sobremesa
Bananas podres em cima da mesa.
Nosso “grito de ajuda” valeu a pena, a
cara do diretor quando os internos começaram a cantar caiu no chão. O Juiz
de Menores, pareceu ter gostado da música, com ar sorridente pediu a letra
e disse ao diretor que era uma bela canção. A composição não agradou muito
o diretor, por causa da proeza meu castigo foi duro: apanhei “pra burro”,
peguei cinco dias na solitária, além de perder, por três meses o direito de
receber visitas.
Quando estava no EDD, “apareceu” por lá,
uma “tal”de febre amarela. Muitos internos adoeceram e outros morreram.
Vieram de fora médicos e enfermeiras, umas até bonitas. Nesta mesma época
inventei uma dor na barriga, só para ser tratado pela enfermeira.
Felizmente a febre amarela não me pegou. Por outro lado, fiquei muito
preocupado com meus amigos e, principalmente, com meu irmão Osmar. Depois
chegou a vacina e os internos foram vacinados; a fase passou e tudo voltou
ao normal, inclusive a rotina.
O MEU PAVILHÃO – PAVILHÃO 12
O pavilhão que eu morava, tinha
aproximadamente 50 internos, o monitor do meu pavilhão era o mais temido de
todos os pavilhões. Possuía fama de carrasco e tinha a mão pesada. Morava
no Educandário Dom Duarte com sua mulher (poucas foram as vezes que ela
apareceu para ver os internos). Tudo para o monitor era na “base da
porrada”, uma maneira covarde de agir com os internos. Para ele qualquer
coisinha era motivo de castigos. Sempre andava no pavilhão com um porrete
na mão, qualquer coisa que acontecia para tirar sua paciência, não pensava
duas vezes: porrada! Como não trocavam os monitores de pavilhões, meus
colegas e eu rezávamos todos os dias para ele morrer.
Um dia voltávamos da roça com o monitor
que, passando pelo um riacho, contraiu uma doença transmitida por um
caramujo. Ficou magro, “pele e osso”; quase morreu. Todos os internos do
pavilhão, inclusive eu, ficamos na torcida pra ele morrer logo, mas a praga
do homem sobreviveu à doença e se recuperou. Hoje, analiso o fato e penso
que foi obra de Deus. Quando o monitor ficou bom da doença se transformou.
Era outro homem. Ficou mais humano, aprendeu a conversar em vez de bater.
Passou a andar com sua esposa pelo salão e juntos conversavam com a gente.
A mulher dele agradeceu a todos os internos que tinham rezado por ele. Não
pude conter a gargalhada... brincadeira!
Quando estava no pavilhão ficava sempre
com minha turma, principalmente com meus amigos fiéis. A gente ficava de
fora das partidas de futebol, destacados dos tumultos, sempre observando
tudo, como se estivesse passando um filme. Participei poucas vezes dos
jogos de futebol, gostava mais de correr, nadar na piscina, saltar à
distância, caçar, atirar com estilingue (atiradeira), brincar de índio com
arco e flecha na mão.
As nossas melhores distrações eram as
brincadeiras de índio. A gente fazia oca de bambus , folhas de bananeiras e
galhos de árvores. Pintávamos a cara e formávamos grupos, para dizer que
eram tribos diferentes. As “armas”eram arcos e flechas improvisados. As
lanças eram feitas de bambus, caniço de pescar. A gente caçava, pescava e
travava batalhas: uma “tribo” contra outra. As brigas sempre eram
corporais.
Uma vez, briguei (numa daquelas batalhas
das tribos) e encarei um garoto mais forte do meu pavilhão, dei sorte, ele
dava dois de mim. Acertei um soco no meio da cara dele e... pronto! Foi a
nocaute! Assim, todos passaram a me respeitar ainda mais. Foi minha
primeira briga... e a última.
“Nossa tribo” fazia caminhada pelas matas
e caçadas pelas florestas, subíamos nas árvores como se fossemos macacos.
As matas fechadas do educandário tinham muitos bichos. Cobras e aranhas não
faltavam! O bicho mais temido era a jaguatirica, costumava ficar em cima
das bananeiras. Quando estávamos trabalhando na enxada ou roçando o mato, a
jaguatirica aparecia pra assustar. Foi trabalhando no laranjal, que eu
presenciei quando um colega foi picado por uma cobra, ainda com a enxada na
mão, ele ficou tremendo e piscando os olhos. Ouvi o grito, corri em sua
direção. Ao chegar perto para socorrê-lo, vi uma enorme cobra, estava nos
pés do garoto. A cobra me atacou, deu um bote, pulei e corri pra pegar um
galho com uma forca. O garoto continuava tremendo. Naquela hora, lembrei-me
dos ensinamentos do escoteiro da Casa da Criança, nosso amigo Cláudio e,
agindo com técnica, pude prender a cobra e salvar a vida do meu
companheiro. Ao cair da noite, fui dormir ao som dos sapos e rãs, fiquei
meditando sobre o fato acontecido.
Muitas vezes ao levantar, quando ia
calçar os sapatos, encontrava dentro deles uma enorme aranha caranguejeira.
O Educandário Dom Duarte ficava afastado da cidade, isolado no meio do
mato.
Capítulo 4
AS VISITAS – UMA MULHER GUERREIRA
Somente depois que fui para o Educandário Dom
Duarte, passei a receber visitas de minha mãe. As visitas eram apenas nos
domingos, uma vez por mês. Os internos de bom comportamento tinham o
direito a uma visita mensal, no horário das 14:00h às 16:00h. Na Casa da
Criança não me lembro de nenhuma visita, eu era muito pequeno. Com as
visitas, veio a esperança.
Quando vi minha mãe pela primeira vez,
depois de muitos anos, não contive minha emoção. Abracei-a bem forte, por
um bom tempo. Queria sentir seu calor; seu perfume. Sua presença me mostrou
o que significava ter uma mãe. Estudei cada traço do seu rosto, detive-me
no seu olhar... triste, mas profundo! Entreguei-me aos seus beijos,
carinhos, ao seu colo maternal sem nenhuma vergonha. Estava vivendo um
sonho.
As crianças excluídas da sociedade, são
muito carentes. Carentes de tudo! Sentem demais a falta de uma mãe, da
família.
Na primeira visita, passei o tempo todo
chorando, quase não conseguia falar. Pedia, implorava entre lágrimas e
soluços pra voltar a morar com ela.
Eu queria sair do Educandário de qualquer
jeito, minha mãe era a única esperança. Ela me examinou, me olhou...
abraçou-me bem forte e disse: “Um dia meu filho, eu vou reunir todos vocês
de novo. Vou comprar uma casa. Com fé em Deus e em Nossa Senhora Aparecida
, nós vamos sair dessa.”
Nessa visita minha mãe mostrou fotos da
família e me deu um retratinho 3x4 da minha irmã Luzia.
Eu queria saber tudo sobre meus irmãos; meu pai,
onde e como ele estava; queria saber sobre minha mãe. Mas, o tempo de
visita era curto, não dava para resumir tantos anos de separação em apenas
duas horas. Quando começamos a conversar, depois das lágrimas, abraços e
promessas, veio a campainha e acabou o tempo da visita.
Com as outras visitas, capítulos por
capítulos, fui aprendendo a conhecer a minha mãe. Sua luta, coragem e força
de vontade fizeram dela meu maior orgulho. Não era simplesmente minha mãe
que ia me visitar, era a mulher-guerreira. Sua força me energizou.
Ela me contou tudo o que tinha acontecido
com meu pai. No Relatório da Assistência Social está registrado que meu pai
tinha “abandonado o emprego e a família por sofrer das faculdades mentais”,
isso não era verdade. Depois do seqüestro dele a coitada ficou sem nenhum
tostão, sem moradia ou condições para se sustentar com os cinco filhos. Sem
casa, pedindo esmolas de porta em porta e passando muita fome, conseguiu,
depois de muito custo um emprego de doméstica. Minha mãe viu-se forçada a
nos deixar com famílias conhecidas, mas as famílias nos devolveram,
alegando não poderem mais continuar nos sustentando.
Perdeu o emprego como doméstica e no seu
desespero não viu solução melhor, foi forçada a nos internar em instituições. Continuou
com minha irmã mais velha, Maria José, e com a minha irmã mais nova,
Aparecida, com apenas 1 ano. Depois a situação foi apertando mais e foi
obrigada, pelas dificuldades, a mandar minha irmã mais velha, Maria José,
ao Rio de Janeiro para casa do meu tio Zezeco, que se dispôs a cuidar dela.
Dois anos depois do seqüestro de meu pai,
minha mãe conseguiu localizá-lo num Hospital Psiquiátrico. Ele estava
magro, todo sujo; cheio de marcas pelo corpo e sedado. Minha mãe passou a
visitá-lo constantemente, ficava ao seu lado, conversavam e saíam para
passear. Conforme ela, mantinham relações como um casal normal. Então,
percebi que meu pai não era nenhum louco, era normal. Apenas falava o que
pensava, não tinha medo de nada e de ninguém.
Continuava falando o que falava antes. O
sofrimento causado pelas torturas não mudou suas idéias a respeito do
governo. Para ele nosso país era governado por “corruptos e sacanas”; não
existia uma filosofia de responsabilidade social; eram todos ladrões.
Acreditava que algo deveria ser feito para reverter o quadro de instabilidade
econômica e social; lutava por uma sociedade mais justa e solidária.
Ainda escrevia e lia muito. Nada tinha
mudado nesse respeito, nem a sua paixão pela música. Minha mãe levava
discos de óperas, livros, jornais e revistas velhas em todas as visitas. Tudo
que meu pai falava ou escrevia era taxado de louco. Anos mais tarde, com a
ajuda de tio Zezeco, minha mãe conseguiu transferi-lo para uma clínica no
Rio de Janeiro.
Aquela mulher guerreira, continuou
trabalhando como doméstica e não deixava de visitar os filhos no orfanato.
Minha mãe teve mais um filho, Tadeu Gomes Bomfim, “resultado” das visitas
feitas ao meu pai no hospital psiquiátrico.
Foi trabalhando como doméstica, na Vila
Alpina, que minha mãe teve uma oportunidade. Viveu um bom tempo de favor num
quarto na casa da sua patroa, D. Efigênia, uma senhora muito bondosa que
motivou minha mãe a melhorar de vida. Dona Efigênia ajudou-a criar Maria
Aparecida e Tadeu, meus irmãos menores. Movida pela vontade de vencer e
incentivada pela patroa, minha mãe foi à luta para conseguir um emprego na
indústria, melhorar seu salário para realizar seu sonho: a casa própria.
Até que a sorte bateu na sua porta. Mamãe foi trabalhar nas Linhas
Correntes, como só tinha o primário, pegou o cargo de faxineira, mas mesmo
assim o seu salário dobrou.
Nas Linhas Correntes, suas amigas
souberam do seu drama e da luta que enfrentava para reunir novamente toda
família. Resolveram então, ajudar no que podiam. Era o Espírito de
Solidariedade . As amigas, mesmo num cargo baixo como faxineiras
numa indústria, demonstravam humanidade, expressavam sentimento de bondade.
Sentimento esse tão esquecido no mundo em que vivemos. As colegas de
trabalho doavam suas refeições para minha mãe levar para casa e dividir com
os filhos menores.
Assim o tempo foi passando, as visitas
aos filhos nas instituições continuavam. O trabalho na faxina da indústria,
horário noturno, era duro e fazia de minha mãe uma heroína.
Mamãe tinha uma irmã muito religiosa que também
tinha vindo de Pernambuco e morava em Mauá, SP. Chamava-se Virgínia Gomes
Trindade, casou-se com um comerciante chamado José Trindade. Tinham cinco
filhos. O filho mais velho era o João, empresário bem sucedido. João
sensibilizou-se com o drama e o sonho de minha mãe em ter sua casa própria.
Então, emprestou-lhe o dinheiro para comprar uma casa próxima de Virgínia,
na cidade de Mauá.
Assim que ela comprou a casa, trouxe de
volta meu pai e minha irmã mais velha Maria José. O sonho dela estava se
tornando realidade. Maria José ficava com Tadeu e Aparecida para que mamãe
pudesse trabalhar. Meu pai ficava em casa escrevendo, lendo e ouvindo ópera
dia e noite. Minha mãe fazia horas extras na “Linhas Correntes” para
melhorar o salário. Em casa, panelas quase sempre vazias; um ovo dividido
para quatro. Ela trazia o bife que era servido nas refeições da indústria e
dividia a mistura entre os filhos e o marido. As frutas, vinham do final da
feira. Nos finais de semana, quando acabava a feira do bairro, minha mãe e
irmãos, catavam no chão, tudo o que era aproveitável e levavam pra casa.
Meu pai era um homem muito falante,
conversava e dava atenção pra todo mundo na rua, por isso a vizinhança o
adorava. Falava sobre tudo; qualquer assunto era com ele mesmo: música,
arte, política... ele era o “tal”. No final do papo, sempre pedia dinheiro
ou cigarro às pessoas que conversavam com ele. Bebia muito café e fumava o
tempo inteiro.
Outra coisa que ele adorava fazer era
criar passarinhos. Tinha canário da terra, curió, bigodinho, canário belga
entre outros. Andava pelo bairro com a gaiola na mão, vivia fazendo trocas
e ganhava uns “trocadilhos”. Certa vez ele trocou alguns passarinhos por
rádios e relógios.
Durante os quatros anos que vivi no
Educandário D. Duarte, recebi poucas visitas da minha mãe, isso pode ser
facilmente verificado nas folhas de visitas do educandário. Minha mãe era
pobre, não tinha muitas vezes o dinheiro da passagem para visitar o Oscar,
Luzia e eu. Tia Virgínia, de vez em quando, emprestava o dinheiro da
passagem para ela.
(FICHA DE VISITAS DO EDUCANDÁRIO DOM
DUARTE – OSVALDO GOMES BOMFIM – NA FICHA, PODE-SE OBSERVAR CLARAMENTE
QUANTAS VEZES SUA MÃE O VISITOU)
Capítulo 5
PAVILHÃO 24
Cada pavilhão tinha um “cacique” que era
respeitado por todos. No pavilhão 24, ficava o “cacique” geral dos
internos, o Rochinha. Ele era o mais temido, todos o respeitavam. Meu irmão
mais velho, Osmar, estava no pavilhão 24 e era o braço direito do Rochinha.
Quando fui transferido da Casa da Criança para o Educandário Dom Duarte, o
Osmar já sabia. Tinha conhecimento do dia e da hora. Osmar e Rochinha
mandaram uma mensagem aos 25 pavilhões: “Ai de quem mexer com o Osvaldo,
ninguém toca nele!”. No momento que cheguei no educandário, meu irmão me
recebeu, ficou muito feliz, fazia muitos anos que não nos víamos. Eu pedi
aos dois cobertura para meus inseparáveis amigos: Silas, Mario Lucio, Rusti
e Robseque.
A ESTRATÉGIA DE FUGA
O tempo foi passando, revistas e livros
mostravam que existia outro mundo e a curiosidade em conhecer o lado de
fora era cada vez maior. Sonhava em conhecer o que tinha do outro lado
daquele muro tão alto. Começava a pensar em garotas bonitas... beijar na
boca, namorar. Só tinha homens no educandário, eu ficava louco! Comecei a
viajar nas minhas fantasias. Sonhava com bailes, festas e pensava nas
músicas. Adorava compor músicas, escrever... quem sabe, do lado de fora eu
teria alguma chance? – pensava.
Ficava só pensando no gostinho da
liberdade... sentia a necessidade de ser livre! Foi aí que eu comecei a
estudar uma maneira de fugir. Não seria fácil, os muros e portões eram bem
vigiados. Os monitores estavam sempre de olho na gente, não davam uma
folga. Queria sair de lá, desejava um mundo melhor do que aquele.
Finalmente, uma oportunidade surgiu: o
aluno que tivesse bom comportamento, se destacasse nas notas e fosse o
primeiro colocado do educandário, receberia uma bolsa de estudos para
estudar fora, no Colégio Machado de Assis, em Pinheiros. Esta
era a minha oportunidade, a única esperança. Tracei um plano, fiz minha
estratégia, segui até o fim.
Acreditei em mim, falava com meus botões:
“Sou capaz de ser o primeiro lugar dos 1.250 alunos internos, vou vencer!”.
– Confiava em mim, tinha certeza que podia ganhar. Meu desafio era vencer
ou vencer; ganhar ou ganhar ( no meu dicionário não existe a
palavra derrota ). Determinei minha primeira meta: “Até o final do
ano estarei fora do educandário!”
Para conseguir o primeiro lugar passei a
me dedicar intensamente, dia e noite, metendo a cara nos cadernos e livros.
Era estudar, estudar, estudar... “Estarei do lado de fora no final do ano,
pô!”- dizia aos meus colegas. Mas todos falavam que eu estava louco, era
impossível ser o primeiro da turma. Outros internos tinham regalias e não
trabalhavam, só estudavam. Eu tinha tarefas, trabalho na roça. Trabalhava
muito na enxada, na horta e o meu tempo era escasso. Para completar, os
internos tinham que ir a missa todos os domingos e eu era o coroinha.
Naquela mesma época, fui obrigado a participar de um curso de formação de
acólitos (um curso para ser padre). Além das matérias do colégio, ainda
tirava um tempo para estudos religiosos.
Eu dormia numa cama que ficava num lugar
privilegiado, na janela. A lua, minha cúmplice, iluminava minha cama.
Muitas vezes ela iluminou meus livros, cadernos e, principalmente, minha
mente. A lua foi minha fonte de inspiração, minha companheira e amiga... minha
confidente! Testemunhou meus sonhos e minha vontade de vencer... de ser
livre!
Estava quase chegando o final do ano, me
formei em acólito na igreja do educandário e recebi o diploma de ajudante
de padre. Depois ajudei a missa e fui homenageado na igreja.
Em seguida terminei o primário (4ª série)
no Grupo Escolar Rural do Educandário Dom Duarte. No mês seguinte, o
diretor trouxe um homem generoso, um comerciante da cidade para apadrinhar
o aluno vencedor. O iluminado senhor, José Silva, o dono das Casas José
Silva, apertou minha mão no final daquele ano e declarou: “Parabéns
Osvaldo, você foi agraciado, ganhou a bolsa de estudos e vai estudar no
Colégio Machado de Assis, em Pinheiros.” – Ganhei também uma merendeira,
roupas, sapatos novos e um uniforme do colégio. O diretor reuniu todos os
internos para anunciar o resultado, mas não podia imaginar que naquele
momento, estava também me premiando com a liberdade. Na verdade, a bolsa de
estudos era o que menos me interessava. O que eu queria mesmo era voltar pra
casa, meu sonhado lar!
PRIMEIRA FUGA: SEM SUCESSO
Assim que pude respirar o ar da
liberdade, no primeiro dia de aula no Colégio Machado de Assis, as crianças
me olhavam de maneira diferente. No começo eu senti o peso da indiferença e
do preconceito, sabiam que eu era pobre, do educandário e tinha ganhado a
bolsa de estudos, mais uma vez me senti excluído. Aos poucos os garotos
começaram a me procurar, tentava me agradar e oferecer as coisas. Eu tinha
vergonha e recusava. Depois fui fazendo amizade e me acostumando.
Na primeira tentativa de fuga, saí do
Colégio Machado de Assis, com o endereço da minha mãe guardado no bolso.
Peguei o ônibus para São Paulo. Quando já estava bem longe, dentro do
ônibus que eu me encontrava, tinham dois monitores do educandário... que
azar! Eles me reconheceram e perguntaram para onde ia. Tentei fugir pela
tangente, inventei uma história. Disse que estava distraído no ponto e
tinha pegado o ônibus errado. Mas a história não colou. Eles me pegaram e
me levaram de volta para o educandário. Lá tive que explicar tudo
direitinho. Fiquei de castigo e apanhei para não errar mais o caminho.
SEGUNDA FUGA: O PARQUE ENTRA NA VIDA DE OSVALDO
Aos 14 anos de idade, fugi pela segunda e
última vez do Educandário Dom Duarte para nunca mais voltar. Fui parar na
Vila Alpina, no endereço onde minha mãe me disse que morava. Lá chegando
procurei e encontrei a casa onde minha mãe morou, mas ela tinha se mudado
para outro bairro e ninguém sabia informar aonde.
Fiquei perdido, perambulando pelo bairro
da Vila Alpina, quando me deparei com um grande Parque de Diversões com
circo e tudo! Puxa! Nunca tinha visto tanta gente alegre e bonita. Era tudo
colorido, brilhante. Permaneci acampado no parque quase dois meses, pedindo
esmolas, comida... o que viesse era lucro! Estava livre! Fui ficando pelo
parque.
O que não faltava era maçã do amor,
pipoca, cocada e doces diversos envolvidos pelo brilho das luzes da Roda
Gigante, do carrossel e outros brinquedos. As atrações do circo me
fascinavam: vários palhaços, homens engoledores de fogo, malabaristas,
mágicos, equilibrista, etc. O que chamava mais a atenção de todos era o
Trem Fantasma e a Montanha Russa. Fiquei encantado com o parque, nunca
tinha conhecido nada igual. Foi um momento de curtição, de sonho. Era hora
de aproveitar e viver com intensidade aquela chance que a vida me oferecia,
afinal de contas, estava livre num mundo de cores, fantasia e beleza.
Estava vivendo um sonho... perdido naquele mundo encantado! Perdido... mas
mesmo perdido, naquele instante, eu me encontrei. Senti ser plantada em mim
a semente de um sonho que hoje, passados tantos anos, está crescendo e
florindo.
Estava vivendo os melhores dias da minha
vida, porém a realidade foi mostrando a sua cara. Apesar de livre, havia
momentos que eu me sentia sozinho no meio da multidão. Precisava de
qualquer jeito encontrar minha mãe, minha família. Pedi a Deus, com muita
fé, para me ajudar.
Quase dois meses se passaram e eu
continuava no parque, já estava ficando sem esperanças de reencontrar minha
família, mas por outro lado, não queria nunca mais voltar para o
educandário. Com certeza uma boa surra me esperava. Só pensar em enfrentar
a solitária me fazia tremer todinho, dos pés à cabeça.
Um dia, era domingo, o parque estava
fervilhando de gente, estava distraído chutando uma lata no chão. O sol
brilhava forte, quente, sedutor. O vento soprava de mansinho, brincando com
meus cabelos. Levantei meu rosto para sentir a brisa fresca que me
agraciava, quando, de repente, uma imagem no meio de tanta gente me
seduziu. Achei aquele rosto familiar. Corri para me aproximar mais e saber
direitinho quem era. Será que eu estava tendo uma visão? Não, de jeito
nenhum! Eu conhecia aquela pessoa! – “Não é possível! Só pode ser... tem
que ser ela!” – pensei num misto de alegria, ansiedade e medo de estar
errado. Reconheci aquele rosto, um rosto que só conhecia através de um
retratinho 3x4. Minha irmã Luzia.
Corri desesperadamente, atropelando as
pessoas em minha frente e tropeçando nas pedrinhas que estavam no chão.
Gritei seu nome bem alto: “Luziaaaaaaa......”- ela me viu, correu na minha
direção. Era realmente a Luzia.
Eu sei que o que aconteceu naquele dia
foi um milagre. Tenho certeza disso. Até hoje quando me lembro dessa cena
as lágrimas rolam em meu rosto. Os anjos sorriram para mim.
Abracei minha irmã com toda minha força. Ela olhou
pra mim com os olhos marejados de lágrimas, pegou meu rosto entre suas mãos
e sorriu. Passamos um bom tempo assim, chorando, nos abraçando, rindo...
foi uma confusão de sentimentos! Luzia caiu do céu. No momento em que
estava nos seus braços, senti a presença viva de Deus em mim. Nesse instante
as mãos de Deus começavam a escrever a história do Parque da Maçã, o
Projeto Praia da Maçã.
ESPAÇO RESERVADO PARA INSERIR DOCUMENTOS
(SITE EM FASE
DE CONSTRIÇÃO)
(FICHA DE INTERNAÇÃO – ESCOLAR - DO EDD
DE OSVALDO GOMES BOMFIM) – SUAS NOTAS, MÉDIAS E FUGA – DESINTERNADO POR
FUGA.
(novembro 2006)
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NO TEMPO EM QUE EU ESTIVE INTERNADO NO EDUCANDARIO, ERA MUITO BOM MESMO,NADA ALI SE COMPARAVA COM PRISÃO, EU ESTUDEI, TRABALHEI, E APRENDI UMA PROFISÃO, TAPECEIRO TRALHAVA NA COLCHOARIA QUE FICAVA LOCALISADA NO PREDIO DA ESCOLA PROFICIONAL N O EDUCANDARIO D DUARTE SINTO SAUDADES DO TEMPO EM QUE EU ESTIVE LA TIVE DOIS DIRETORES MUITO BONS,DR URIAS E DR ORIENTE,E TAMBEM O CHEFE DOS ESCOTEIROS QUE ERA O SR. HOTEL
ResponderExcluirJaime obrigado pelo comentário, no facebook temos um grupo de pessoas variando entre os anos 40 e 90 que contam suas passagens pelo EDD e entorno,chama-se Lembranças do Educandário Dom Duarte, o Airtom dos Santos e Pedro Nolasco estão no grupo e conviveram com o dr Arientes foi ele que levou o mane coco pro flamengo do rio de janeiro
ResponderExcluirOlá amigos, que bom ver postagens recentes. Tenho estado à procura de um tio que foi levado ao EDD e então não tivemos mais informações de seu paradeiro.
ResponderExcluirIsto aconteceu ha muito tempo atras e hoje ele faria, em dezembro, 88 anos. Seu Nome Nelson da Silva. Seus pais: Geraldo e Zélia. Caso possam, ou conheçam algum grupo que poça ajudar, ficarei muito grato por qualquer informação. Obrigado.